É Domingo e estou a escrever à secretária num quarto verde deslavado, com uma textura na parede que só posso descrever como “o jantar eram ervilhas e o miúdo não queria come-la por nada deste mundo. Atirou-as à parede do quarto e esperou que ninguém notasse. Lá secaram e ficaram”. O Armário range quando é aberto, existem bibelôs na mesinha de cabeleira, as cortinas e as cadeiras são forradas com o mesmo tecido “tie dye”, as colchas já estão em altura de serem mudadas e no entanto somos felizes aqui.
Vivemos agora numa pensão. Chegámos há 4 dias. No hall de entrada existe uma canto cheio de panfletos e cartazes com coisas e ideias para fazer em Hamilton e por toda a Nova Zelândia. “Passeio de barco com os golfinhos” “Explora as cavernas” “Excursão a ilhas paradisíacas”. Parece tudo tão fora de lugar, numa casa onde ninguém me parece estar aqui para esse tipo de “aventuras”.
Sinto-me como se fossemos uma família disfuncional. Mas na verdade aterrámos aqui todos, por acaso ou não, vivemos debaixo do mesmo tecto e temos uma história para contar.
Temos o Roy, o senhor de 75 anos, Inglês (há sempre um por perto). Pouco nos contou da sua vida, tirando que está a viajar o mundo. No minuto seguinte conta-nos que escreveu um livro que teve muito sucesso e que agora está na Nova Zelândia para escrever o segundo. Era o primeiro dia, não fizemos muitas perguntas. Ao segundo dia contou-nos que o tema do livro era “self-help” para pessoas que têm problemas em encontrar o rumo da sua vida, principalmente adolescentes ou quem está a entrar na fase adulta. “Quando andava a viajar, muita gente me dizia que um dia eu ia escrever um livro de sucesso. Verdade seja dita, quando o escrevi, imprimi 50 cópias e já só tenho 4 para venda.” (dito com o tom mais orgulhoso que possam imaginar. E um sorriso no fim). Olhei de esguia para o Jack para ver se ele tinha ouvido o mesmo que eu. Estava a retribuir-me a mesma expressão. Percebi que sim. Pedimos ao Roy para ver o seu livro e lemos os primeiros capítulos. Conta a história da sua vida desde adolescente. O exército, as primeiras namoradas, o primeiro desgosto amoroso, o primeiro emprego, o primeiro despedimento. Tudo numa salganhada sem linha de tempo e difícil de perceber. Compreendi que a pessoa que o livro teria mais ajudado foi ao Roy, mas ainda assim gostei de ler. Pensei que da mesma maneira que eu tenho o meu blog, o Roy tem o seu livro, onde escreveu sobre tudo o que se lhe passou e dava a ler ao mundo, esperando que alguém lesse e “arrebitasse”. Encarei o seu momento de orgulho de maneira diferente. É interessante ver como diferentes pessoas têm diferentes ideias daquilo que significa sucesso. Para o Roy são 46 livros vendidos e ele é feliz assim.
(Pensei também que quando eu tiver 75 anos, se tiver muito para contar, na melhor da hipóteses também escrevo um livro, e quando conhecer alguém, passo a dar-lhe uma cópia. Uma boa ideia para não gastar a língua J)
Temos o Chau, um rapaz da nossa idade, Chinês. Veio com as mesmas ideias que nós. Voluntariado e viajar. Trabalha 30 horas por mês num cinema e em retorno recebe aulas de Inglês numa escola de línguas. Contámos-lhe as nossas aventuras na quinta e na casa dos ingleses. A meio de cada frase que dizíamos ele sabia exactamente o que íamos dizer e completava-a por nós “Trabalhámos na quinta, mas haviam crianças...” dizíamos nós. “Já estou a imaginar... Até quando estavam a descansar tinham que tomar conta das crianças” dizia ele. Ou então “Dávamos sempre o nosso melhor...” “...e nunca ninguém vos agradecia”. Finalmente alguém percebia, e parecia que também ele tinha aprendido a lição. Tinha trabalhado numa quinta antes de vir para aqui mas finalmente decidiu que em troco de trabalho, preferia coisas que precisava, como as aulas de inglês. (Isto para esclarecer que como nenhum de nós tem vistos para trabalhar, não podemos receber dinheiro em troco de trabalho, só “serviços”). Gostamos do Chau e ele parece gostar de nós.
O Dan é um Australiano nos seus 40 e muitos. Fala muito e ouve pouco. Está sempre a impingir as suas ideias nos outros e a dar a sua opinião, mesmo que não a peças. Não sabe nada sobre nós, mas nós sabemos muito sobre ele. Está aqui porque a mãe dos seus filhos se mudou para aqui com eles, para fugir dele e ele acha que deve ser ele a ter a guarda das crianças. Estão numa batalha legal para resolver o problema e enquanto isso ele tem os fins de semana com as crianças e de vez em quando trá-las aqui. Quando não está com os filhos, está a tratar de os reaver. Passa os dias com o advogado e ao computador a preparar o seu caso. Não o julgo por não saber nada de nós, não perguntar e estar sempre alheado... Sempre que o vejo sei que tem a cabeça cheia de coisas mais importantes do que nós.
Por fim temos O Lindsey. “Vais ver que é uma mulher” dizia o Jack quando recebemos uma mensagem a dizer que alguém chamado “Lindsey” nos ia receber na pensão. E não era. O Lindsey é um homem nos seus 60 e tais com barba a crescer do nariz, passa o dia a comer biscoitos a ver televisão e a perguntar se eu estou bem. “Tens a certeza que não precisam de nada? Têm toalhas suficientes? Se vos poder ajudar em alguma coisa digam. Se quiserem ir ao supermercado avisem-me porque tenho carro e posso-vos dar boleia”
Descemos no factor da decoração, mas acho que subimos na escala da felicidade.
Pescada
2 comments:
Tens sido pouco profícua na alimentação do teu blog... Vai escrevendo as tuas crónicas como tão bem fazes. O teu optimismo é bom de ler e faz bem!
Beijinhos
Olá Helena. Obrigada pelo empurrão que estava a precisar. Mais um(a) post(a) de pescada !
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