Quem quiser ver fotografias pode clicar aqui.
Em Maio comecei a trabalhar num restaurante a tempo inteiro para juntar dinheiro para o bilhete. Tinha o género de motivação que só se tem quando se sabe que é um emprego de curta duração. "Precisamos de alguém para fazer um turno extra!!" e a minha mão já estava no ar. Durante longos dias de 12, 13 ou 14 horas a trabalhar, recebia e enviava sms's ao Jack a dizer "NZ". Que é como quem dizia "Sei que estás a ter um dia difícil, a aturar clientes chatos, colegas ainda mais chatos e a fazer uma coisa na vida que não queres fazer para sempre, mas é só mais um bocadinho e daqui a uns dias estás a embarcar na aventura da tua vida!!". E resultava.
Em meados de Agosto despedi-me, passei uns dias em Bournemouth com a minha mãe e o meu irmão. Uma viagem ao nosso estilo. Dormir, comer, dormir, praia... E soube-me pela vida. Sabia que era a última vez que os via antes de partir e tentei apreciar cada minuto. Tentei ignorar o facto de o papá e o Manu não estarem connosco e quantas saudades tinha tenho deles. Deixámos o meu irmão na Universidade. Se quando pensámos no assunto e como seria achámos que o iamos deixar de coração apertado e ele achava que ia ser fácil, acho que no dia os papéis se inverteram. Vi-o de coração apertado e nós na certeza de que ele se ia divertir e adorar esta que para ele, também seria a maior aventura da vida dele (até agora :) ).
Dois dias depois de os deixar, lá fomos nós.
Um pequeno ataque cardíaco ao chegar ao aeroporto e nos dizerem que não podiamos embarcar por falta de uns papéis quasquer. Eu seguríssima que tinha feito T U D O o que me tinha sido pedido... Só pensava nas longas horas que tinha trabalhado e em como ia ter que voltar para o restaurante. Fiquei sem perceber o problema mas consegui respirar de novo quando alguém disse que afinal estava tudo bem.
Foi uma viagem looooooonga com muitos "o"s.
Não nos valeram os filmes todos disponíveis. Nem os jogos. Nem os livros.
Tivemos momentos interessantes... Ao sobrevoar a Rússia o céu estava tão limpo que conseguíamos ver km's e km's de terra. Eu sempre à espera que um míssil nos atingisse. Mas não aconteceu e chegámos à China. Quisemos sair do aeroporto já que tinhamos 7 horas de espera, mas aconselharam-nos a ficar lá dentro. Tivemos que nos contentar com comida chinesa de aeroporto e uma noite/dia mal dormida no chão do aeroporto cobertos com mantas do avião. 7 horas depois, lá fomos nós! Mais uma voltinha de 12h para chegar a Auckland.
2 dias depois de termos saído de Londres, aterrámos na Nova Zelândia.
Um longo processo para saír do aeroporto. O país tem regras muito restritas para proteger a fauna e a flora e por isso, todos os sapatos que tínhamos na mala tiveram que ser inspeccionados e as solas limpas, para não contaminar o solo daqui. Lá nos foi concedido um visto de turistas por 3 meses e TADAAAAM... Chovia a cântaros, mas estávamos eufóricos. Ainda deu tempo de ver alguém conhecido no aeroporto. Na Nova Zelândia. No Hemisfério Sul. Do outro lado do mundo. Alguém que andou connosco na universidade. Não há como fugir.
"Não podemos ir dormir até ás 21h, para pôr os sonos em dia."
4 da tarde, chegados ao hotel que marcámos por duas noites para descansar:
"Não vamos dormir agora!! Mas podemo-nos sentar um pouquinho e ver televisão?" E PUMBA! Aterrámos até ás 3 da manhã. 3 da manhã acordamos e já não conseguimos dormir mais. Vemos televisão e percebemos que isto vai custar mais do que pensávamos. Mas o que importa? Estamos aqui! Na Nova Zelândia!!
Às 7 da manhã, porque toda a gente sabe que somos umas pessoas bem madrugadoras, saímos para a rua, no nosso primeiro dia oficial de exploradores em Auckland. Deliciámo-nos com as árvores tropicais na berma, as lojas bem decoradas e excêntricas, os pássaros exóticos, os papagaios, o Museu de Arte de Auckland, as pessoas a fazerem bungee jumping da Sky Tower, quão largas as ruas são e quão poucas pessoas existem, o estilo relaxado e informal, os parques urbanos que mais parecem florestas tropicais, e a sensação de que mais estamos numa aldeia do que na maior cidade do país.
Antes de virmos, organizámos voluntariado de uma ou duas semanas em diferentes sítios do país, através do Work Away . A ideia é darmos 20 horas por semana a alguém que precisa de ajuda e em retorno, recebemos um quarto e comida. Sobre o primeiro sítio programado, tínhamos visto uma foto do casal. Pareciam asiáticos e tinham dois filhos, dois cães e um gato. Disseram que precisavam de ajuda no jardim porque tinham-se mudado para esta casa recentemente e o jardim estava em mau estado. Quando saímos do autocarro, uma senhora INGLESA abraça-nos e diz BEM VINDOS e o Jack sussurra-me "O que aconteceu à senhora asiática?". Leva-nos para sua casa e mostra-nos o nosso quarto. Cinco estrelas! Luxo!! A melhor vista que poderíamos imaginar, uma cama confortável e um quarto arranjadinho. Quanto à família asiática... a foto foi tirada com dois estudantes Chineses que eles acolheram durante uns meses e ao que parece tanto o marido como ela, quando se riem fecham os olhos. Riam-se. Ficámos portanto com uma família de Inglaterra. Ainda não era desta que conhecíamos os Kiwis (nome das pessoas naturais da Nova Zelândia).
Durante a nossa semana em Whangaparaoa fizemos caminhos de pedras, plantámos árvores, lavámos carros, recolhemos folhas... Visitámos as praias, comemos fish and chips, caminhámos, pensámos ... e não fizemos nenhum amigo. Decidimos que não eramos felizes em casa dos ingleses e que era altura de mudar de ares.
Entretanto... Arranjei emprego. Como Designer de Produto. Na Nova Zelândia.
Um estúdio viu o meu trabalho porque um designer amigo meu lhes enviou o meu site e disse que eu estava a caminho da Nova Zelândia. Eles já tinham entrevistado 10 pessoas e nenhuma lhes interessou. Chamaram-me para os conhecer. A meio da entrevista, enquanto almoçáva-mos, perguntaram-me "Achas que gostavas de vir trabalhar connosco?" e pela primeira vez estava numa situação em que dependia de mim aceitar um emprego. Um dos bons!! Não era eu a sentir que pedir emprego era pedir um grande favor, eram eles a reconhecer que eu encaixava no estúdio e que gostavam de trabalhar comigo. Disseram que me iam dar um contrato e que o podíamos discutir. Um contrato sem prazo de validade, com um salário justo, férias e essas coisas todas que se querem de um emprego e que muitas vezes se deseja mas que a minha geração está habituada a chamar de luxo e impossível. E eu aceitei. :)
Daqui ate poder comecar a trabalhar ainda eram umas semanas por causa da espera pelo visto. Continuamos o voluntariado mas mudámos de sítio. Encontrámos outra família. Como trabalham com animais e chegou a altura do ano em que nascem muitos vitelos, precisavam de ajuda a tratar dos dois filhos pequenos. Viemos logo. As crianças são simpáticas. Uma menina de 5 e um rapaz de 7 ("mas quaaaase 8!") anos. Brincamos com eles o dia todo. Passeamos, jogamos à bola. alimentamos as cabrinhas, levamos as vacas a pastar... e os pais nunca parecem contentes. Nunca dizem obrigada. Nunca nos sentimos à vontade em casa deles e sempre que vamos comer sentimos que eles antes preferiam que não estivessemos cá. Trabalhamos muito mais que 20 horas por semana. A casa fica tão isolada que não podemos ir a lado nenhum a não ser que nos levem de carro. São 7km daqui à vila mais próxima. Dissemos que estávamos a pensar ir embora. Não nos pediram para ficar e tão pouco se ofereceram para nos levar à paragem de autocarro ou a qualquer outro lado.
No entretanto, no único dia de folga que tivemos encontrámos uma pensão em Hamilton (a cidade onde me ofereceram o emprego) e uma senhora simpática que nos viu aflitos à procura de casa para alugar o mais rápido possível. Pensámos na possíbilidade de ficar na pensão umas semanas até encontrar casa. Parece-nos bem. Vamos por esse caminho. Estamos portanto encalhados na quinta, com um quarto já reservado em Hamilton para os próximos dias, mas sem maneira de sair daqui. Vamos tentar pedir boleia na estrada. Vai correr bem!
Perguntamo-nos porque somos mal acolhidos para onde vamos. É difícil estar longe. É mais difícil não ter ninguém à nossa volta que pergunte como estamos ou que nos diga "estão a fazer um bom trabalho". Temo-nos um ao outro, mas faz-nos falta ser sociais, ir saír com amigos, ir beber um copo, ter alguém mais com quem desabafar e contar as aventuras que temos passado. Umas com mais piada que outras. Passeamos pela quinta, vemos o pôr-do-sol, contamos carneiros e damos o biberão às cabrinhas... passa mais um dia e perguntamo-nos se tomámos a decisão certa em ficar. Provavelmente seria mais fácil voltar. Perguntamo-nos se estamos a ser egoístas em ficar, em "fugir", em estar longe daqueles de quem gostamos e que gostam de nós. Passeamos mais uma vez, comemos qualquer coisa e tomamos um bom banho. Voltamos um para o outro e com um sorriso ambos sabemos que estamos bem e vamos ficar bem. Sabemos que os baixos fazem parte da viagem. E que só quer dizer que os altos estão para vir. Vamos ficar bem. Ainda temos um bilhete de "volta". Não estamos amarrados a este chão. Estamos aqui porque queremos e desejosos de conhecer pessoas boas e fazer desta nova terra, uma casa.
Pescada, depois de uma longa rota migratória.
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